A Escola da AJURIS encerrou no início deste mês mais uma ação afirmativa: o Curso de Atualização Para Magistrados (CAM) de Letramento Racial. No curso, os cerca de 80 juízas e juízes alunos tiveram a oportunidade refletir e enfrentar questões atinentes às relações raciais que impactam decisões judiciais e administrativas, além de contribuir para um sistema judiciário e para a construção de uma sociedade que verdadeiramente reflita os princípios de igualdade e dignidade para todas as pessoas, promovendo equidade racial.
“Um curso de letramento racial é essencial para promover a compreensão aprofundada e contextualizada sobre as questões raciais que afetam o Sistema de Justiça. Além disso, sensibiliza os magistrados para a importância de um julgamento equânime que reconheça e mitigue potenciais vieses inconscientes que possam influenciar suas decisões”, explicou a diretora da Escola da AJURIS, Clarissa Costa de Lima.
Durante o período das aulas, que duraram duas semanas, o CAM abordou temas como ações afirmativas, política de cotas e heteroidentificação no Brasil, legislação antidiscriminação, racismo institucional e estrutural no Sistema de Justiça criminal e promoveu uma oficina com procedimento e simulação de uma banca de heteroidentificação. “Cada vez mais é importante que a gente supra uma lacuna na nossa formação como magistrados para termos a compreensão sobre a história da África e de seus descendentes no Brasil. A oportunidade de fazer o letramento é dar condições para que o julgado veja as pessoas negras além de números nos nossos processos. Vejam pais, mães, trabalhadores e comunidades inteiras que carregam história e esperança, e para fazer justiça é preciso conhecê-las em toda sua dignidade”, disse a juíza auxiliar da presidência do Conselho Nacional de Justiça (CNJ) Karen Luise Vilanova Batista de Souza, uma das professoras do CAM.
Para os magistrados que participaram do curso, o aprendizado ofereceu novas e relevantes perspectivas sobre o tema. “O CAM foi excelente, não apenas por abordar um conteúdo contemporâneo, mas também pela qualidade das professoras (formadoras). Na minha opinião ele se revelou muito útil à prestação jurisdicional, assim como ao aperfeiçoamento dos(as) futuros(as) integrantes das bancas de heteroidentificação dos concursos de ingresso no TJRS”, apontou o juiz José Luiz Leal Vieira, aluno do CAM.
“Participar do CAM me proporcionou novos ensinamentos sobre a história do racismo sofrido pelo povo negro no Brasil e o quanto ainda falta para alcançarmos uma sociedade realmente igualitária”, analisou o juiz Francesco Conti.
A juíza Sílvia Fiori, por sua vez, exaltou a iniciativa da Escola e defendeu que a formação seja ampliada a todo o Judiciário. “Os professores foram ótimos, contribuindo muito para que pudéssemos aprender e dirimir dúvidas em um ambiente colaborativo e acolhedor. A iniciativa, a meu sentir, deve ser propagada para servidores, terceirizados e todos que integram o Poder Judiciário”, pontuou.
Para a juíza Denise Dias Freire, o curso foi transformador. “O Cam de Letramento Racial foi um divisor de águas na minha vida. Eu, que já me considerava uma pessoa antirracista, com as aulas percebi que estava cega; que em certa medida estamos todos cegos, sem saber ver a condição da população negra. Deveria ser um curso OBRIGATÓRIO a todos os juízes, pois somos uma casta branca julgando os negros sem qualquer qualificação para isso”, afirmou a magistrada. “Meu bisavô, avô, mãe e pai foram desembargadores. Isso é um privilégio para mim, a quarta geração de magistrados na Justiça gaúcha. Mas o privilégio será da magistratura em si quando nós vermos, em nossos quadros, a quarta geração de Magistrados negros”, completou.